III Seminário Cidades, Territórios e Direitos – “Cidade como território de luta”

No último dia 05 de outubro, a professora Maria Alice Rezende Carvalho, coordenadora do Central, proferiu a Conferência de Abertura da terceira edição do Seminário Cidades, Territórios e Direitos, realizado pela Universidade Federal de Viçosa, via web, entre os dias 5 e 7 deste mês. O tema do seminário deste ano foi “Cidades como território de disputa”.

A professora apresentou algumas dimensões de pesquisas acerca de cidades e favelas, defendendo a coexistência de diferentes formas de organização social e espacial nas cidades contemporâneas e sugerindo caminhos de pesquisa a serem trilhados. Temas como justiça social, desigualdade, violência urbana e política permearam a apresentação.

Maria Alice iniciou sua fala apresentando o processo de institucionalização democrática brasileira e demarcando a presença de demandas por justiça social nos debates sobre cidades que precederam a convocação da Assembleia Constituinte.  Lembrou que as lutas por igualdade no país tiveram forte expressão durante os anos de resistência à ditadura, correndo na contramão de políticas públicas que vinham aumentando a desigualdade social brasileira, e apontou a grande participação social da década de 1990 como responsável pela manutenção da agenda da igualdade no país muito além do marco temporal de 1988.

Oferecendo um panorama das abordagens sociológicas sobre cidade e desigualdade, a professora mostrou como a exigência normativa por igualdade assumiu, justificadamente, o centro das reflexões sobre o mundo urbano brasileiro, mas apontou a lacuna que se constituiu em torno da questão da liberdade e da auto-organização da sociedade brasileira.

Especificamente no âmbito da discussão urbana, os anos posteriores à Constituição democrática foram marcados por uma produção intelectual voltada à violência nas cidades. Tais análises apontavam a incapacidade de o Estado promover políticas distributivas eficazes e atribuíam a essa circunstância a ampliação da violência. Com isso, se criou uma relação de causalidade entre pobreza e delinquência que, nos anos seguintes, mereceu duras críticas, mas permaneceu vigorando entre segmentos da opinião pública conservadora.

Em anos mais recentes, proliferam analises que tendem a compreender a violência urbana para além dos indicadores econômicos, incluindo fatores de ordem institucional e cultural. Contudo, segundo Maria Alice, persiste a dificuldade em se perceber a política, e mais especificamente a capacidade de ação política dos setores subalternos da sociedade, como dimensão crucial da democracia e do próprio controle da violência nas cidades contemporâneas. Assim, a rarefação da temática “política” nos estudos sociais urbanos não constituiria somente uma falha ou omissão bibliográfica, mas a dificuldade de entender as demandas sociais como disputas por interesses conflitantes. Em outras palavras, lutas contra a desigualdade ultrapassam o sentido das demandas por inclusão – lutas contra a desigualdade visam o fim das desigualdades. E isso exige que à desigualdade se oponha uma linguagem política, que, mais do que inclusão e acesso a direitos, se traduza como uma experiência de autonomia materialmente sustentável.

Nesse ponto, Maria Alice une as lacunas que mencionou – liberdade e política – a fim de oferecer caminhos para novos aportes epistemológicos acerca das desigualdades urbanas. Como sugestão, aponta a tarefa de acompanhar certa tradição da historiografia marxista inglesa, que procurou compreender a classe trabalhadora e a cultura popular da Grã-Bretanha como agentes da democratização do mundo moderno.  Dessa tradição, a professora considera fundamental reter a ideia de que as questões estruturais estão imbricadas nas disputas culturais.

Por fim, a conferência se voltou ao tratamento da noção de “favelas” e o que essa noção esconde do ponto de vista da política.

Uma das características que distingue as favelas cariocas/brasileiras de outros tipos de aglomerados pobres é o fato de que tiveram o seu surgimento associado à formação do Estado nacional, inclusive por atores muito representativos desse processo – os soldados que foram enviados para destruírem Canudos, uma vila considerada “bastião” da monarquia, símbolo da resistência antirrepublicana. Assim, o mito de origem do Estado nacional republicano exclui, de pronto, os pobres que foram considerados “monarquistas” e os pobres que os combateram, cujo destino, ao regressarem ao Rio de Janeiro, foi a moradia improvisada, construída por eles próprios, na região portuária.

Nesse sentido, Maria Alice considera fundamental o aprofundamento do debate sobre pobreza e favela, menos como integração ao mercado e mais como integração à esfera política/ estatal. Para isso, é necessária a criação de novos aportes teóricos, epistemológicos, que busquem ressaltar a potencialidade constituinte das favelas, a soberania que foi sequestrada dos habitantes daqueles territórios. É preciso que se pense acerca daquilo que o conhecimento sobre favelas não está nos dizendo, isto é, que uma cidade democrática precisa da liderança política das favelas, precisa que elas reivindiquem a cidade e inscrevam nela o sentido de comunalidade.

Por Taísa Sanches

Assista aqui a conferência

Serviço

Os textos mencionados durante a conferência de abertura foram os seguintes:

CARVALHO, Maria Alice R. de. Cidade escassa e violência urbana. Série Estudos IUPERJ, Rio de Janeiro, vol. 91, 1994.

SOUZA, Pedro Ferreira. Uma história da desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil (1926-2013). São Paulo: Hucitec, 2018.

THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. São Paulo: Paz e Terra, 2012.

VALLADARES, Lícia. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.

VERSIANI, Maria Helena. Correio Político: os Brasileiros Escrevem a Democracia 1985-1988, Rio de Janeiro: Contracapa, 2014.

VIANNA, Luiz Werneck. Caminhos e descaminhos da revolução passivam à brasileira. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v.3